Entrevista
Rebeca Andrade vai com tudo para Paris
Atualizada em 13/6/24, as 12h45
Aos 25 anos, Rebeca Andrade ou "menina espoleta", como ela mesma se define, é pura felicidade por suas conquistas. Em outubro de 2023, ela foi destaque no Mundial de Ginástica Artística, na Antuérpia (Bélgica), no qual levou um ouro, três pratas e um bronze. Neste mês, também brilhou no Pan-Americano, com dois ouros e duas pratas. Neste ano, ela virou uma boneca Barbie (leia mais aqui). Acompanhe nosso papo com a atleta:
Qualé – Você se considera atualmente uma estrela do esporte brasileiro?
Rebeca – Bom, eu não sei se sou uma estrela do esporte brasileiro, mas gosto muito do fato de hoje poder ser referência, sabe? É algo que me orgulha bastante, que é muito difícil de ser conquistado, então eu cuido sempre com muito carinho porque é uma honra representar tudo o que eu represento pro Brasil. Mas não sei se sou uma estrela (risos)... [Alguém por aí duvida?]
Qualé – Você se lembra dos primeiros anos nos quais começou a se interessar pela ginástica?
Rebeca – A ginástica entrou na minha vida como uma surpresa, eu sempre falo para as pessoas que eu não virei para a minha mãe e falei "quero fazer esse esporte". Não. A minha tia trabalhava em um ginásio [Bonifácio Cardoso, em Guarulhos] e eu sempre fui muito espoleta, então ela perguntou pra minha mãe se poderia me levar e minha mãe concordou. Eu não tive uma razão pra começar a fazer ginástica, não foi algo que veio antes de eu começar a praticar, como acontece com a maioria das crianças. Mas desde que comecei, dos 4 para os 5 anos, eu amei a ginástica porque a sensação era a de que eu estava em um parque de diversões. Era tudo o que eu queria pra gastar a minha energia. Foi ótimo! Sou apaixonada, eu amo meu esporte, amo todos os dias estar dentro do ginásio, sendo um dia bom ou ruim, mesmo com dificuldades. Foi o que me trouxe até aqui, né? Me sinto muito realizada.
Qualé – Como era a pequena Rebeca na escola? Quais matérias você mais gostava e como está a vida de estudante de Psicologia hoje?
Rebeca – Eu sempre fui uma boa aluna, só que eu falava demais (risos). Eu tinha muita energia, sempre tagarelando pra lá e pra cá. Então, quando uma professora me chamava a atenção é porque eu com certeza estava falando muito, mas eu me considero uma boa aluna e quando pequena também. A matéria que eu mais gostava era Matemática, e gostava muito também de Biologia e de Educação Física porque tinha uma professora muito legal, sou apaixonada por ela, a gente mantém contato até hoje.
E a minha vida acadêmica tá caminhando bem, a Psicologia [ela está no segundo ano] foi um curso no qual eu me encontrei e que realmente gostaria de trabalhar no futuro, então é muito bom quando a gente se encontra dessa forma. Tô estudando, fazendo as minhas provas, espero que logo logo esteja recebendo o meu diploma, né? É difícil, mas é maravilhoso, estou gostando bastante.
Qualé – Conte um pouco como foram seus primeiros anos de treinamento como ginasta ainda na infância. O que era mais difícil para você?
Rebeca – No começo foi bem complicado por conta da condição financeira. Minha família não tinha muitas condições para que eu pudesse ir sempre pro ginásio, então eu tive o apoio de outras pessoas, meus treinadores, minha tia, a coordenadora do ginásio, os vizinhos… todos dando apoio para que eu pudesse continuar praticando o que eu amava. O treino também era difícil pra minha idade, porque a gente tem dor, passa por momentos complicados, o que é normal, faz parte do esporte, mas eu tive muitos, mas muitos mesmo momentos felizes. Lembro sempre com muito carinho daquela equipe, das meninas que cresceram junto comigo. Eu amava treinar naquele ginásio e poder compartilhar todos os momentos com elas, que foram a minha família naquela época. Foi sensacional, poder viajar, conhecer lugares novos, países novos, novas culturas, e voltar pra casa e poder contar pros meus irmãos, pra minha mãe, compartilhar com meus amigos, era maravilhoso. Sem contar as realizações de competições também. Quando chega lá e dá tudo certo, ou mesmo quando você não foi tão bem, poder chegar e conversar com a minha mãe, contar que o período foi difícil pra mim e ela estava ao meu lado pra me apoiar, me incentivar… e hoje ter me tornado quem eu sou. Foi demais! (emocionada) Eu lembro da minha infância sempre com muito carinho e com uma saudade gigante, porque era tudo muito bom.
Qualé – Como foi fazer parte do primeiro pódio inteiramente composto por mulheres negras no Mundial de Ginástica? O que esse feito representa para você?
Rebeca – Pra mim foi algo que significou demais, me senti muito honrada em ter sido uma das mulheres que estavam naquele pódio, estávamos ali representando muitas pessoas, fazendo muita gente acreditar que é sim possível, mesmo com todas as dificuldades que a gente precisa enfrentar na sociedade, mostrar a força que a gente tem, de que as pessoas são capazes de alcançar e realizar. Tem que batalhar, dar o seu máximo sem deixar de ser feliz! Foi uma honra estar ali.
Qualé – Você esperava que a ginástica feminina teria um desempenho tão incrível nos últimos campeonatos?
Rebeca – Sou um pouco suspeita pra falar da nossa equipe, porque pra mim é a melhor do mundo. Eu amo compartilhar os momentos com as meninas, treinar, competir, estar todo mundo sempre junto torcendo uma pra outra. Eu sempre acreditei demais no nosso potencial , como equipe e individualmente também. A gente conseguir ter as nossa realizações, ver que nosso trabalho tá dando certo, que as coisas estão acontecendo, que estamos fazendo história, mostrando toda a evolução que o Brasil já tinha, de gerações passadas… Nós conseguimos concretizar agora com nossas medalhas todo o potencial e o talento que o Brasil sempre teve. É algo sensacional, então posso dizer que era sim de se esperar, até demorou pra acontecer, mas eu estou muito feliz de que tenha acontecido e eu fazendo parte da equipe porque eu fico mesmo muito feliz (gritinhos). Eu sempre acreditei na gente. É acreditando que as coisas começam a acontecer, sabe? E deu tudo certo!!!
Qualé – Como é o seu dia a dia de treinamento?
Rebeca – Eu acordo, tomo café, me arrumo, vou pro treino das 8h ao meio dia. Depois vou pra fisioterapia e em seguida pra casa. Almoço, descanso um pouco. Às 15h eu volto pro ginásio e vou malhar. Depois, às 16h, inicia o segundo treino, que vai até as 18h. Finalizando o segundo treino, vou pra fisioterapia de novo e depois pra casa, jantar, ir pra faculdade e outras coisas que eu tiver que fazer. No meio desse dia a dia, incluo sempre que possível consulta com nutrólogo, médico, dentista, uma ida ao banco, ao shopping, vou encaixando essas outras coisas no meio da rotina fixa,
Qualé – Depois de um ano de muito trabalho, você vai tirar férias. Pode contar o que você planejou para esses dias? Quando você deve voltar a treinar?
Rebeca – Graças a Deus tirar umas férias, estou muito feliz. Vou pra Europa, Amsterdã e Madri. Vou ao casamento de um amigo em Madri, estou empolgada e animada. Pretendo ir a museus, fazer passeios, conhecer um pouco mais a cultura de cada país. Estou ansiosa, mas já volto a treinar em dezembro mesmo. Essas férias são como um descanso para espairecer um pouco porque em dezembro já volto a treinar porque o ano que vem é um ano muito importante [teremos Olimpíadas em Paris!] e não pode deixar a peteca cair, né?
Qualé – Qual o atleta que mais a inspira hoje?
Rebeca – Não sei se tenho um só, tenho alguns. A Daiane [dos Santos], todas as meninas que treinam comigo, como Jade, Flávia, Lorrane… A Nadia Comaneci [ginasta romena], alguém que admiro muito e tive a oportunidade de conhecer e a Shawm Johnson [ginasta norte-americana]. Também me inspiro muito em mim, em toda a minha história, minha trajetória, por não ter desistido, por continuar e hoje estar aqui tão feliz alcançando e realizando coisas que, por muitos anos eu sonhei, até que se tornaram objetivos e hoje realizações. Não tem como eu não me inspirar na minha própria força.
Qualé – Como é a sensação de ganhar uma medalha e o que você diria para crianças que já praticam algum esporte?
Rebeca – Nossa, é uma sensação meio inexplicável, só quem coloca aquela medalha no peito e sente ela na mão vê o quão importante e significativo é. O que eu falaria é para elas não desistirem dos sonhos, dos objetivos. É normal termos períodos difíceis, isso acontece em qualquer profissão, então continue correndo atrás e trabalhando muito. Porque a sensação de subir no pódio e receber a tua medalha só você vai sentir. Eu espero muito que essas crianças possam viver também essa sensação de ter a sua medalha no peito e saber que é dela, ninguém vai tirar dela. Sem esquecer, claro, de todas as pessoas que dão suporte para isso acontecer, porque ninguém chega a lugar nenhum sozinho.