Entrevista
“Brincar é tão indispensável como respirar”, diz Gabriela Romeu
Nascida em São Paulo, a escritora, jornalista e documentarista Gabriela Romeu tem a alma e os pés todinhos na estrada. Ela viaja pelo Brasil para pesquisar brincadeiras e histórias de crianças desde 1999. Hoje tem dez livros publicados, entre eles o recente “Diário das Águas” (Editora Peirópolis). Acompanhe o bate-papo:
Quando e como você começou a se interessar pelo tema infância?
Comecei a me interessar muito cedo, ainda menina, mesmo sem saber. É que eu adorava ouvir as histórias da meninice de minha mãe e de minhas tias, sete mulheres! No quintal de minha avó, elas contavam histórias sobre a infância rural que tiveram. Na adolescência, sonhei ser jornalista e ingressei na faculdade. Lá, meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi um jornal para o público infantil. Desde então, nunca mais deixei de contar histórias às crianças.
Fale um pouco sobre o Mapa do Brincar.
Ele nasceu de uma provocação. Sempre que eu propunha uma pauta que falava sobre o brincar, os chefes diziam que as crianças não brincavam mais e que gostavam de tecnologia. Eu tive então a ideia de criar um chamado para que as crianças contassem sobre seus brincares e recebemos mais de dez mil participações. Organizamos tudo e, em 2009, lançamos a primeira versão do site, com 500 brincadeiras. Depois, em 2011, ampliamos para 750. O Mapa do Brincar é um grande acervo das manifestações lúdicas das crianças no início do século XXI. E, mais do que isso, foi uma resposta àquela inquietação inicial: crianças brincam sim, e muito, em todo lugar. Para as crianças, brincar é tão indispensável como respirar!
É verdade que você viaja muito pelo Brasil em busca de histórias de crianças?
Sempre viajei muito para contar histórias de infâncias. Ouvi crianças angolanas no Complexo da Maré, cacei caranguejos com outras no Maranhão, vi a agilidade delas escalando açaizeiros no Pará, conheci a triste realidade de crianças urbanas em lixões... Os modos de viver a infância variam de um lugar para o outro.
Como surgiu a ideia do livro “Diário das Águas” e sobre o que ele fala?
“O Diário das Águas” é um livro que resultou de muitas viagens por rios brasileiros. A primeira foi para os rios Amazonas, Madeira e Tapajós, em 2002. Ou seja, o livro desaguou depois de 20 anos... Mas sei exatamente quando a ideia nasceu: quando vi uma criança cruzar a imensidão e o silêncio das águas num casquinho (uma canoa). Aquela imagem bateu tão forte em mim que eu queria saber mais o que era viver a infância nas águas, fazer o corpo cruzar o rio, ter saudade de pisar o chão de terra quando chega o período das
cheias e como é se equilibrar no trapiche (uma passarela de madeira improvisada nas águas).
Existem diferenças nas formas de brincar pelo país?
Existem mais proximidades do que diferenças. O brincar é uma herança da humanidade que atravessa os tempos, os séculos e também as fronteiras geográficas. Vamos ver as mesmas brincadeiras em diferentes regiões. O que podemos dizer é que elas ganham outros sotaques, outros jeitos de brincar.
Você acha que as brincadeiras de quintal sempre vão existir, mesmo com os celulares e outras telas?
O brincar é uma necessidade tão grande da gente que não vai acabar. Nas cidades, os espaços são cada vez menores. O quintal vira a varanda ou, como disse uma vez uma criança, é dentro do guarda-roupa da casa. Assim, acredito que o quintal sempre vai existir. A criança tem essa capacidade de transformar os lugares.