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Ajudar o próximo estimula áreas positivas do cérebro
No fim de fevereiro, em pleno feriado de carnaval, chuvas recordes no litoral norte de São Paulo deixaram milhares de desabrigados e dezenas de mortos. Depois do ocorrido, muitas pessoas ao redor do Brasil se mobilizaram, enviando doações e ajuda.
Dayana Aparecida de Morais mora em Camburi, São Sebastião (SP), há 12 anos, e, em menos de três horas de chuva, precisou sair correndo de casa com a cachorra nos braços, enquanto o marido levava nos ombros os filhos, de 9 e 12 anos, porque a água já estava na altura do peito. “Deus tem enviado anjos e estou recebendo muitas doações, para que eu possa comprar os pertences mais necessários”, diz Dayana.
Assim como a generosidade de desconhecidos deu ânimo a ela e ao marido, eles também encontraram formas de contribuir. Passaram a semana seguinte à tragédia dividindo o tempo entre tirar a lama da casa deles e na de um amigo e ajudar a transportar doações para outros afetados.
Em momentos tristes como esse, a solidariedade faz toda a diferença. Engana-se quem pensa que precisa ter dinheiro para fazer o bem e que o único beneficiado é quem recebe a ajuda. Cada ato de solidariedade traz sensações boas que ficam marcadas em quem teve a iniciativa, recebeu a ajuda ou simplesmente viu acontecer.
“Colocar-se à disposição e no lugar do outro estimula áreas do cérebro que alimentam emoções positivas. E isso melhora a autoestima, traz laços de amizade, fortalece a compreensão, a tolerância e o autoconhecimento”, explica a neuropsicóloga Mariana Medeiros Assed.
Da sala de aula para a vida
Trabalhar habilidades sociais e emocionais já passou a fazer parte do dia a dia de muitas escolas. Atualmente, existem até ferramentas gratuitas que ajudam a desenvolver esses temas com os alunos. É o caso da plataforma Educação para Gentileza e Generosidade (EGG), que conta com cursos, metodologia e muito material para desenvolver sete princípios: gentileza, generosidade, sustentabilidade, respeito, diversidade, cidadania e solidariedade. “Tudo organizado, com passo a passo, colorido e divertido”, explica Marina Pechlivanis, criadora da plataforma.
A EGG oferece ainda uma premiação anual às instituições de ensino que promovem ações e inspiram mudanças comportamentais. O primeiro lugar de 2022 ficou com a escola do SESI Barbacena, em Minas Gerais. Por lá, o voluntariado é levado muito a sério. “Já está na cultura da escola. É um trabalho de equipe”, conta o diretor, César Alexandre Nunes Ferreira. “Essa prática contínua traz um ambiente escolar cheio de energia e alegria”, completa a pedagoga Tereza Cristina de Melo Santana.
Além dos mutirões e campanhas de doações variadas, alunos do SESI Barbacena realizam projetos pontuais. Alguns são o “Pokémons das virtudes”, “Compaixudo”, “Paciêncio”, “Honestícia”, “Gentilene” e “Solidari”, além da farmácia contra o bullying, com caixas de remédio com direito a bula e nomes muito criativos, como Amorxicilina. Alunos da escola também ajudaram os funcionários do Hospital Ibiapaba CEBAMS de Barbacena e pacientes internados a atravessar a pandemia.
Eles fizeram desenhos, cartões e cartinhas para os profissionais da saúde e pacientes. Depois, organizaram o “Pit Stop do Coração”. Os estudantes e suas famílias passaram de carro para fazer doações de alimentos e itens de cuidado pessoal. A campanha arrecadou 6.285 itens que somaram 1,1 tonelada! “Em qualquer momento essas doações teriam sido especiais, mas naquele foram maravilhosas”, diz Edson Brandão, analista de marketing do hospital.
Gotinhas do bem
Em outro canto do país, a goiana Luiza Vilanova também criou sua própria “poção” contra o bullying depois de ter vivido muitas situações desse tipo na própria pele. De família simples, seu pai sempre se empenhou em conseguir bolsas de estudos para a filha. Aos 11 anos, ela foi arranhada por colegas e humilhada por eles quando se destacou na escola. Com o “Gotinhas do Bem”, ONG que criou aos 15 anos, Luiza passou a levar ideias de brincadeiras para ensinar as crianças a lidar melhor com os próprios sentimentos. No seu primeiro ano, em 2017, 300 alunos da rede pública na periferia de Goiânia foram beneficiados.
Agora, já são 8 mil crianças de 15 estados brasileiros e de outros sete países. Em 2021, Luiza criou outra ONG, a “Tocando em Frente”, que vai até a sala de aula de 3.500 estudantes de baixa renda do interior do país para fazer atividades que ajudem a descobrir seus talentos. Para Luiza, “a solidariedade começa quando alguém percebe um problema e quer ajudar a resolvê-lo”. Atualmente, as duas ONGs criadas por ela envolvem 200 voluntários, a maioria de 14 a 24 anos.
Iniciativa jovem
Sempre estimulados a praticar ações solidárias, os alunos do Colégio Santa Cruz, da zona oeste de São Paulo, têm uma forte ligação com os moradores da Serra da Capivara, no Piauí. Ao voltar da viagem de estudo de campo que a escola organiza para alunos do 9o ano, em 2015 os estudantes criaram a iniciativa “Somos Todos Capivara” para apoiar financeiramente o parque nacional, maior sítio arqueológico do país, e para montar uma biblioteca na cidade de São Raimundo Nonato.
Outra turma que visitou a região em 2017 criou o Projeto Veredas, porque voltou tocada pelas necessidades da comunidade quilombola da Lagoa das Emas. A primeira iniciativa foi arrecadar dinheiro para construir um centro comunitário com cozinha coletiva, biblioteca infantil e espaço para aulas de capoeira.
Os projetos se fundiram em uma ONG (@projetoveredas), que começou a organizar o festival anual de música Piauífest. A ONG passou a atender mais uma comunidade Quilombola da região, a Zabelê, iniciou outra obra (a do museu histórico da comunidade) e assumiu as contas da creche da Lagoa das Emas para garantir que permaneça aberta.
Nos dois anos mais intensos da pandemia, os alunos conseguiram grandes reforços. Gilberto Gil, Nando Reis e Marisa Monte tocaram na versão on-line do Piauífest. E a Embaixada da França doou R$ 300 mil para colocar comida na mesa dessas comunidades.
“Foi tudo gasto em armazéns locais por meio de cartões de vale-alimentação que atenderam 372 famílias por seis meses”, conta Laura Kotscho, ex-aluna do Santa Cruz que segue ligada à ONG Projeto Veredas.
DESAFIO SOLIDÁRIO DA QUALÉ
Que tal ler um texto da revista para alguém? Ou ainda emprestar a sua edição para aquele familiar ou amigo que não recebe a Qualé? E não precisa ser só criança, não. Mande sua ação para nós. Use o #desafioquale e saiba mais nas nossas redes sociais